TRIUNFO DOS AGIOTAS
- UMA
HISTÓRIA DE GANGSTERS
POR
ALFREDO BARROSO
1. «DUAS
NAÇÕES». Benjamin Disraeli
(1804-1881), aliás Lord Beaconsfield (desde 1876), foi um dos políticos ingleses
mais notáveis do século XIX. Conservador e reformador com preocupações sociais,
chegou a advogar uma aliança entre a aristocracia e a classe trabalhadora,
sugerindo que os aristocratas deviam usar o seu poder para ajudar a proteger os
mais pobres. Além de ter sido Primeiro Ministro da Rainha Vitória (e do Império
Britânico) durante a década de 1870, foi um escritor popular que expressou em
alguns dos seus romances as suas preocupações em relação à pobreza e à
injustiça do sistema parlamentar, que ele ajudou a reformar com o apoio do
Partido Liberal (já chefiado por William Gladstone, que viria a suceder-lhe
como Primeiro Ministro). Num dos seus romances mais conhecidos, Sybil (1844), Disraeli descreve uma
Inglaterra dividida em «duas nações», a dos ricos e a dos pobres, entre as
quais «não há nem relacionamento nem simpatia». Cenário que se repetiria no
século XX, com algumas adaptações, mas a mesma crueldade, durante os Governos
de Margaret Thatcher, e que ameaça repetir-se no século XXI com o Governo de
David Cameron.
Tal como essas «duas nações» inglesas de costas voltadas
uma para a outra, também hoje se poderá falar de «duas Américas», de «duas
Europas» ou, mesmo, de «duas nações» de costas voltadas em vários países da
União Europeia. Estamos, de facto, a viver uma crise profunda e a assistir a
uma degradação inquietante da democracia representativa. Há uma distância cada
vez maior entre a classe política e os cidadãos, entre o povo e os seus
representantes, entre a minoria dos muito ricos e o resto da sociedade, com uma
classe média em erosão acentuada que vai engrossando as fileiras dos pobres e
desempregados. O partido dos abstencionistas é cada vez maior e a representação
política é cada vez mais a imagem inversa do país real.
Em sondagem
recentemente publicada por vários jornais europeus, constata-se que aumentou significativamente
a desconfiança dos cidadãos europeus na capacidade dos Governos e respectivas oposições
para resolver os problemas económicos. Cresce a sensação de que os políticos
nacionais já não têm autonomia para tomar as decisões indispensáveis para combater
eficazmente a crise nos seus países, tal como a noção de que esses políticos foram
substituídos pelos novos poderes fácticos: mercados e especuladores
financeiros, bancos e agências de rating,
tecnocratas e políticos escolhidos em instâncias superiores, que tomam decisões
além-fronteiras encerrados em «torres de marfim» (BCE, FED, Wall Street, City,
Bruxelas, etc.).
Alguém lembrava recentemente uma famosa frase de um
dos actores da Revolução Francesa, o abade Emmanuel-Joseph Sieyès: «O poder vem
de cima, a confiança vem de baixo». Quando o topo e a base se afastam entre si
excessivamente, o poder vai perdendo a autoridade à medida que a confiança se
degrada. E vai tomando forma, entre o povo, o sentimento de que existem «duas
nações» ou «dois países»: um país de cima, constituído pelos muito ricos, por
uma minoria de pessoas moldadas na mesma matriz, que obedecem aos mesmos
códigos e vivem encerradas na mesma «torre de marfim»; e um país de baixo,
constituído pela grande maioria abandonada à sua sorte, esquecida pelos que
tudo têm, pelas elites, vítima de uma espécie de desprezo de classe. Como
salienta o filósofo esloveno Slavoj Zizek, «o capitalismo actual move-se
segundo uma lógica de apartheid, em
que uns poucos se sentem com direito a tudo e a grande maioria é constituída
por excluídos». Sendo certo que, como ele também diz, «os capitalistas actuais
são fanáticos religiosos que defendem a todo o custo os seus lucros, mesmo que
causem a ruína de milhões de pessoas». É a lógica neoliberal.
2. NEOLIBERALISMO.
Não se trata de uma fantasia imaginada
por esquerdistas. Como nos explica David Harvey, no seu livro O enigma do capital e as crises do capitalismo
(Editorial Bizâncio, 2011), o termo neoliberalismo «refere-se a um projecto
de classe que foi tomando forma durante a crise da década de 1970». «Mascarado
por muita retórica sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade
pessoal e as virtudes da privatização, do mercado livre e do comércio livre, o
termo neoliberalismo legitimou políticas draconianas concebidas para restaurar
e consolidar o poder da classe capitalista. Projecto que tem sido bem sucedido,
a julgar pela incrível concentração de riqueza e poder que se verifica em todos
os países que enveredaram pela via neoliberal. E não há provas de que esteja
morto» – ao contrário do que pensam os que não se cansam de falar de um «novo
paradigma», mas não conseguem sequer defini-lo ou explicá-lo.
Num texto publicado em 2000, A mão invisível dos poderosos, Pierre
Bourdieu dizia que «a visão neoliberal é difícil de combater com eficácia
porque, sendo conservadora, apresenta-se como progressista e pode remeter para
o lado do conservadorismo, e até do arcaísmo, todas as críticas que lhe são
dirigidas, nomeadamente aquelas que tomam por alvo a destruição das conquistas
sociais do passado». Todavia, é um facto que «o neoliberalismo visa destruir o
Estado social, a mão esquerda do Estado (que é fácil mostrar ser o melhor
garante dos interesses dos dominados, desprovidos de recursos culturais e
económicos, mulheres, etnias estigmatizadas, etc.)». Para os que praticam esta
doutrina, é a Economia que está «no centro da vida» – e não o Homem. E acham
que o mercado não se dá bem com a res
publica.
De facto, o neoliberalismo está na base daquilo que
alguns designam por «hipercapitalismo» e, evidentemente, na base da «financeirização
da economia». A finança - que nunca devia ter deixado de ser um meio, um
instrumento, uma alavanca - tornou-se um fim em si mesma. O dinheiro é rei e o
homem é súbdito, a especulação financeira não conhece limites nem regras, o
lucro imediato é o Santo Graal. Pior: a dívida é consubstancial, é
indispensável ao bom funcionamento do sistema. A ganância e o egoísmo estão na
essência do hipercapitalismo. São os agiotas, e não os políticos, que governam
o mundo e estão a dar cabo da democracia representativa.
O hipercapitalismo, é bom lembrar, nasceu nos EUA e em
Inglaterra durante a década de 1980, nos anos Reagan-Thatcher (e também teve
como fiéis executores, através de férreas ditaduras militares, o general
chileno Augusto Pinochet, assim como os generais brasileiros e argentinos,
todos adeptos da doutrina neoliberal elaborada por Milton Friedman, acolitado
pelos seus «Chicago boys»). Foi nessa altura que a progressão dos salários
começou a ser bloqueada, o desemprego em massa gerou a precariedade e esta foi
instituída em regra, ao mesmo tempo que os accionistas passaram a ser
privilegiados em detrimento do factor trabalho. A acentuada diminuição da parte
dos salários dos trabalhadores na redistribuição das riquezas, que partiu do
mundo anglo-saxónico, alastrou em seguida a todos os países desenvolvidos e foi
reforçada pela irrupção da China e da sua mão-de-obra barata. Só que, para a
máquina continuar a funcionar, era preciso que os assalariados consumissem.
Para tanto, urgia estimulá-los a endividar-se, e a sobreendividar-se, enquanto
as desigualdades se iam acentuando. «Você não ganha o suficiente? Peça
emprestado, consuma, sobretudo produtos importados baratos, e o mundo continuará
a girar». O hipercapitalismo tem, estruturalmente, necessidade de um
endividamento sempre crescente para prosperar. E as vítimas tanto são os
indivíduos como os Estados.
Desregulamentação financeira, baixos salários, aumento
do trabalho precário, feminização crescente da mão-de-obra (e da pobreza) a
nível mundial, acesso do capital às reservas de mão-de-obra barata em todo o
mundo – são algumas das características essenciais da doutrina neoliberal, que
estão na base da famosa globalização e da subordinação dos governos às exigências
do mercado. Ao Estado passou a estar reservada uma função essencial: a de usar
o seu poder para proteger as instituições financeiras a qualquer preço (em
contradição, aliás, com o não intervencionismo que é preconizado pela doutrina
neoliberal). No fundo, trata-se - como salienta David Harvey «com toda a
crueza» - de «privatizar os lucros e socializar os riscos», de «salvar os
bancos e extorquir ao povo». A pretexto de não poder haver um risco sistémico,
«os bancos comportam-se mal porque não têm de responsabilizar-se pelas
consequências negativas dos seus comportamentos de alto risco». Como se viu nos
EUA e no Reino Unido, a partir da brutal crise das hipotecas subprime, em 2008. E como se viu em
Portugal, no caso absolutamente escandaloso do BPN. Mas há muitos mais
exemplos.
É verdade o que diz Jean-Claude Trichet, presidente do
BCE: «Os bancos teriam todos desaparecido se nós não os tivéssemos salvo». Mas
o paradoxo é evidente: os Estados endividaram-se para evitar o colapso dos
bancos, mas agora são os bancos que impõem aos Governos a adopção de políticas
de austeridade brutais, que podem conduzir ao colapso dos Povos e dos Estados.
Para tanto, socorrem-se das já famosas agências de rating, que «espancam» os Governos até estes atirarem «a toalha ao
chão».
3. «GANGSTERISMO».
Parece-me ser a expressão mais
adequada para descrever a actividade das agências privadas de qualificação de
riscos, mais conhecidas como agências de rating.
Trabalham para quem lhes paga, sobretudo os bancos, proporcionando aos
especuladores financeiros, e aos investidores oportunistas de alto calibre,
juros sempre mais elevados para os seus empréstimos. Para tanto, «sovam» os
Governos de vários países em sérias dificuldades económicas e financeiras, até
eles não aguentarem mais «espancamentos». E se continuarem a resistir,
apontam-lhes uma «pistola» à cabeça e ameaçam: «Ou cedes ou morres de
bancarrota»! As agências de rating
são, assim, uma espécie de gangsters ao
serviço da agiotagem.
Apesar da veneração que suscitam entre os economistas
e jornalistas especializados ao serviço do capital financeiro, as agências de rating não são entidades de direito
divino. De facto, são empresas privadas ao serviço de interesses privados, que
acumulam já, ao longo da sua história, muitos casos de manifesta incompetência,
escandaloso favoritismo e oportunismo irresponsável. Além disso, não são
avaliadas nem fiscalizadas por qualquer entidade reguladora e, ainda por cima,
funcionam praticamente em regime de oligopólio: apenas três agências - Moody’s,
Standard & Poor’s e Fitch - repartem entre si mais de 90 % do mercado e as
duas primeiras quase 80 %. Para já nem falar dos óbvios conflitos de interesses
em que incorrem.
O actual Presidente da República, Cavaco Silva,
gostaria de impor um silêncio patriótico aos políticos e comentadores
(infelizmente, poucos!) que criticam as agências de rating. Todavia, abundam os casos em que elas contribuíram para
agravar as crises. Vejamos dois exemplos recentes.
Desde logo, o caso do magnata Bernard Maddoff, sem
dúvida um dos maiores vigaristas do século, que exibia, no cartão de
apresentação da sua entidade financeira, um rutilante triplo A (AAA), que é a
classificação positiva máxima atribuída pelas agências de rating. Foi parar à cadeia.
Depois, o caso das famosas hipotecas subprime e dos tão sofisticados como «tóxicos»
produtos financeiros que ajudaram a fabricar, que incluíam nomeadamente títulos
de dívida (obrigações) do Lehman Brothers. Todos eles beneficiaram também de um
rutilante triplo A. Mas foi precisamente a falência do Lehman Brothers que
desencadeou a gigantesca crise financeira de 2008, nos EUA, que depois alastrou
à Europa, e cujas consequências ainda hoje estamos a sofrer. Vale a pena
lembrar aqui uma passagem do relatório final da Comissão de Investigação do
Congresso dos EUA que foi constituída para apurar as causas da grave crise
financeira. Reza assim:
«Concluímos que os erros cometidos pelas agências de
qualificação de riscos (agências de rating)
foram engrenagens essenciais na maquinaria de destruição financeira. As três
agências foram ferramentas chave do caos financeiro. Os valores relacionados
com hipotecas, no coração da crise, não se teriam vendido sem o selo de
aprovação das agências. Os investidores confiaram nelas, na maioria dos casos
cegamente. (…) Esta crise não teria podido ocorrer sem as agências de rating. As suas qualificações (máximas)
ajudaram o mercado a disparar, e quando tiveram de baixá-las (até ao nível de
«lixo»), em 2007 e 2008, causaram enormes estragos».
O relatório salienta que a Moody’s - que em 2006 foi
uma autêntica fábrica de atribuição de classificações máximas a títulos
hipotecários - deve ser considerada como um case
study sobre as más práticas que provocaram a crise. De facto, entre os anos
2000 e 2007, a
Moody’s considerou como de máxima solvência (AAA) nada menos do que 45.000
valores relativos a hipotecas. O relatório refere a existência de modelos de
cálculo desfasados, as pressões exercidas por empresas financeiras e a ânsia de
ganhar quota de mercado que se sobrepôs à qualidade das qualificações
atribuídas.
Mas, apesar destas conclusões devastadoras para a
credibilidade das agências de rating,
estas não hesitaram em aumentar os salários e prémios dos seus executivos, já
depois de conhecido o relatório. O caso da Moody’s foi o mais escandaloso. O
seu presidente executivo, Raymond Mc Daniel, recebeu em 2010 um aumento de 69 %
do seu salário anual, que trepou até aos 9,15 milhões de dólares (cerca de 6,4
milhões de euros). Um motivo invocado, entre outros, foi o facto de ter ajudado
a «restaurar a confiança (!) nas qualificações atribuídas pela Moody’s
Investors Service, ao elevar o conhecimento sobre o papel e a função dessas
qualificações».
Raymond Mc Daniel foi chamado a testemunhar perante a Comissão
de Inquérito acompanhado pelo principal accionista da Moody’s, Warren Buffet.
Mas este lavou as mãos, como Pilatos, declarando que não fazia a menor ideia
sobre a gestão da agência, e que nunca lá tinha posto os pés. Explicou, no
entanto, que tinha investido na empresa porque o negócio das agências de rating era «um duopólio natural, o que
lhe dava um incrível poder sobre os preços»! Na transcrição do depoimento de
Raymond Mc Daniel perante a Comissão de Inquérito do Congresso também surge uma
declaração surpreendente. Disse ele: «Os investidores não deveriam confiar nas
qualificações (das agências) para comprar, vender ou manter valores»! Não foi
ingenuidade. Foi insolência e hipocrisia. Infelizmente, em relação a Portugal,
ninguém seguiu o conselho deste senhor Raimundo…
4. PORTUGAL.
Cumpriu-se o fado. O destino marca a hora. Como na famosa
canção de Tony de Matos: «Se o destino nos condena / Não vale a pena / Lutarmos
mais». Portugal foi «sovado» pelas agências de rating até à exaustão. Estava marcado para «morrer de bancarrota»
se não cedesse às exigências do capital financeiro. No dia 5 de Abril de 2011,
o «Jornal de Negócios» noticiava: «Bancos cortam crédito ao Estado». E
explicava: «Os banqueiros reuniram-se ontem no Banco de Portugal. Não vão
financiar mais o Estado. Querem um pedido de ajuda intercalar de 15 mil milhões
– e já! O Governo tem de pedir e o PSD e o PP têm de subscrever».
«E já!». Perceberam? Foi assim, sem qualquer pudor,
que o ultimato foi anunciado, que a «pistola» foi apontada à cabeça da vítima
que já estava na fila de espera para ser «garrotada» pelo Fundo Monetário
Internacional e pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Cerca de 24
horas depois, já tínhamos direito a ouvir o sr. Olli Rehn (criatura finlandesa
em quem não votámos e que fala inglês aos soluços) a explicar à Europa e ao Mundo
o que é bom para Portugal - e não necessariamente para a grande maioria os
portugueses. Olli Rehn é comissário europeu para os Assuntos Económicos e
Monetários. Trabalha, portanto, sob a direcção (!?) do sr. Durão Barroso,
ex-presidente do PSD e ex-primeiro-ministro, que foi «sovado» pelo PS (de Ferro
Rodrigues) nas eleições europeias de 2004 e que, a seguir, abandonou o Governo
que chefiava «com o rabo entre as pernas», pouco depois de ter prometido ao
país que não o faria, para ir ocupar em Bruxelas o cargo de presidente da
Comissão Europeia, que lhe foi oferecido pela direita.
Como escreveu Pierre Bourdieu há onze anos: «Temos uma
Europa dos bancos e dos banqueiros, uma Europa das empresas e dos patrões, uma
Europa das polícias e dos polícias, teremos em breve uma Europa das forças armadas
e dos militares» (esta está quase!). Infelizmente, ainda não existe um
movimento social europeu unificado, capaz de reunir diferentes movimentos,
sindicatos e associações de diferentes naturezas, e capaz de resistir
eficazmente às forças dominantes, a essa «Europa que se constrói em torno dos
poderes e dos poderosos e que é tão pouco europeia».
Ao contrário do que algumas vozes bem intencionadas andaram
a proclamar, a gravíssima crise
económica e financeira desencadeada pelas más práticas do hipercapitalismo não
deu origem a um «novo paradigma». Paralisada (e neutralizada) pelas sucessivas
concessões que fez à doutrina neoliberal, a social-democracia europeia assiste,
política e ideologicamente desarmada, ao que alguns já designam como «nova
contra-revolução social thatchero-reaganiana». Até onde poderá ela ir? Nesta
verdadeira guerra dos «mercados» contra os Estados, foi manifesta a incapacidade
dos europeus para definir uma estratégia progressista comum para enfrentar a
crise. Isso foi perfeitamente percebido pelos «mercados», que decidiram
aproveitar essa sua vantagem para atacar frontalmente os Estados mais frágeis,
com o objectivo de desregular ainda mais os mercados internos e de exigir mais
privatizações. E é exactamente isso que está a acontecer aqui e agora.
A estratégia europeia de saída da crise mundial é
clara: desregulação dos mercados de trabalho, deflação salarial, desemprego
estrutural, menor protecção no emprego, restrições orçamentais, privatizações
em massa, etc. É uma estratégia aparentemente paradoxal, que torna ainda mais
vorazes os «mercados», que exigem sempre tudo e nunca se sentem saciados. Mas é
também uma estratégia fundamentalmente recessiva, que pode provocar um aumento
significativo das reivindicações sociais e políticas. «Neste braço-de-ferro, o
estatuto do euro é um teste definitivo», dizem os entendidos. E a questão está
em saber se «será, finalmente, posto ao serviço da promoção de um modelo social
sustentável» ou «irá tornar-se o vector da destruição do que resta do Estado de
bem-estar europeu». Os exemplos da Grécia, da Irlanda e de Portugal não auguram
nada de bom para o Estado social.
Como já se noticia, a «ajuda» financeira do FEEF e do
FMI servirá, essencialmente, para Portugal «pagar o que deve aos credores,
sobretudo bancos estrangeiros que, ao longo de décadas, foram fornecendo fundos
aos bancos nacionais e que estes depois canalizavam para a compra de casas,
carros e créditos às empresas» («DN», 08/04/2011). Para além de cortes em
salários, pensões, subsídios de desemprego e outras prestações sociais, fala-se
em «reformas mais profundas do mercado de trabalho, menor protecção no emprego,
maior abertura da Educação e da Saúde aos privados, subida dos impostos». (O
dr. Passos Coelho deve estar radiante!). Também se diz que «mal as condições
melhorem, o Estado deve começar a sair (privatizar) das empresas de
transportes. Casos da ANA, TAP, CP ,
Refer, Carris, Metro de Lisboa e do Porto». Não haverá mais nada para
privatizar? Claro que há! Um Estado bem desmantelado dá para enriquecer vários
oligarcas.
Enfim, temos este país pronto a morrer da cura. Graças
ao «trabalho sujo» das agências de rating
(os «gangsters» desta história) ao serviço dos «mercados» (os agiotas). Mas
também graças aos «bons ofícios» do actual Presidente da República, à
«ansiedade do pote» de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, e ao extraordinário «sentido
de oportunidade» de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã. Sem esquecer as
evidentes responsabilidades de José Sócrates, que não resistiu às sucessivas
concessões que foi fazendo ao «blairismo» e ao «neo-centrismo», ou seja, à
doutrina neoliberal.
Observação final. Várias são as vozes que afirmam que
o FMI não é nenhum papão e não mete medo a ninguém, porque já cá esteve no
século passado e tudo correu às mil maravilhas. É quase verdade, mas
esquecem-se de um pequeno pormenor que faz toda a diferença: é que, quando o
país sair exausto e exangue dos próximos anos de brutal austeridade, não haverá
mais uma CEE à nossa espera para «inundar» Portugal com as «catadupas» de
fundos comunitários que fizeram a felicidade do cavaquismo!
Lisboa, 9 de
Abril de 2011 ALFREDO
BARROSO
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