Protesto
humanístico
Marx, tal como Maimonides e constatando com outros
ensinamentos cristãos e judaicos – não tem como postulado uma solução escatológica;
a discrepância entre o Homem e a Natureza mante-se, mas o domínio da
necessidade, tanto quanto possível, é controlado pelos Homens: «Mas continua
sempre a substituir o domínio da necessidade» O objetivo é «esse
desenvolvimento do poder do Homem que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino
da liberdade». A perspetival de Maimonides de que « a preocupação de todo o
mundo será a de conhecer o Senhor» corresponde em Marx ao desenvolvimento do
poder humano como finalidade».
Ter e Ser como duas formas diferentes de
exigência encontram-se no centro das ideias de Marx sobre a emergência no novo
Homem. Com eles Marx passa dos conceitos económicos para os psicológicos, que
são, como vimos da discussão sobre o Antigo e o Novo Testamentos e em Eckhart,
ao mesmo tempo conceitos «religiosos» fundamentais. Marx escreveu. «A
propriedade privada tornou-nos tão estúpidos e parciais que só sentimos um objetivo
como nosso quando o temos, quando ele existe para nós sob a forma de um capital
ou quando o comemos, bebemos, gastamos, abitamos, em resumo, quando de algum
modo o utilizamos. Portanto, todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos
através da alienação de todos eles ao TER. Foi necessário que o ser humano se
visse reduzido a esta pobreza absoluta para ser capaz de gerar todo o bem-estar
interior» (no conceito de ter ver Hess em Einundzwanzig Bogen).
O conceito de Marx sobre o TER e o SER está sintetizado nesta
frase. «Quanto menos fores e quando menos expressares a tua vida – mais terás e
maior será a tua vida alienada. Tudo aquilo que o economista te retirar em vida
e em humanidade, é-te restituído sobre forma de dinheiro e bem-estar.»
O «sentido de posse» a que Marx aqui se refere é precisamente
Ao mesmo «ego ilimitado» de que nos fala Eckhart, o apego ás coisas a ao
próprio ego. Marx refere-se ao modo de
ter existência mas não o faz em relação à posse como tal, nem à propriedade
inalienada. O objetivo não é o luxo e o bem-estar como não é a pobreza; com
efeito ambos (luxo e pobreza) constituem vícios para Marx. A carência total é a
condição necessária para o bem-estar interior de cada um.
Em que consiste, afinal este ato de gerar? É a exposição ativa
e não alienada da nossa capacidade em relação aos nossos objetivos. Marx
continua: «todas as relações humanas como o mundo – Ver, ouvir, cheirar,
provar, trocar, observar, sentir, desejar, agir, amar – em resumo, todos os
agentes da sua individualidade são, na sua Acão objetiva (a sua Acão em relação
aos objetivos) a apropriação do objetivo em si, da sua realidade humana.» Esta
é a forma de apropriação do modo ser, não a do modo ter. Marx expressou esta
forma de atividade não alienada na seguinte passagem.
Assumamos que o homem é o homem, e que a sua relação com o
mundo é humana, que o maior pode apenas ser trocado por amor, a confiança por
confiança, etc. Se quisermos apreciar arte, termos de ter uma cultura
artística, se pretendermos influenciar outra pessoa, teremos de possuir
capacidade de a estimular e de produzir nela um efeito encorajador, cada tipo
de relação do homem com o homem ou com a Natureza terá de ter um a expressão
especifica que corresponda ao objetivo do seu desejo, da sua vida individual
autentica. E amarmos sem evocar o amor em troca, por exemplo, se não formos
capazes de, através da manifestação do nosso amor, nos tornarmos uma pessoa
amada, então o nosso amor é impotente e só nos fará sofrer.
Mas as ideias de Marx depressa foram pervertidas, talvez
porque ele viveu com cem anos de avanço em relação ao nosso tempo. Tanto que
ele e Engels consideraram que o capitalismo tinha atingido o limite da suas
possibilidades e, portanto, que estava à beira da revolução. Mas estavam
complemente enganados, como Engels viria a formar após a morte de Marx. Eles
tinham transmitido os seus ensinamentos mesmo no auge do desenvolvimento
capitalista e não previram que iriam ser necessários mais do que cem anos até
ao declínio do capitalismo e até que a sua crise se iniciasse. Foi uma necessidade
histórica que o conceito anticapitalista, propagado no ponto mais alto do capitalismo.
Fosse ele completamente desvirtuado se é que este pretendia ter algum sucesso.
E foi precisamente o que aconteceu.
Os social-democratas
do ocidente e os seus fortes oponentes comunistas, dentro e fora da união
soviética, transformaram o socialismo num conceito meramente economicista, cujo
objetivo era o máximo consumo, a máxima utilização das maquinas, khruschev, com
o se conceito Goulash, e o seu modo
simplório, deixou que a verdade viesse à
superfície: o objetivo do socialismo era dar a toda a população o mesmo prazer
do consumo que o capitalismo oferecia a uma minoria, a burguesia. Tanto o socialismo como o
comunismo tiveram como base o conceito burguês do materialismo. Algumas frases
dos primeiros escritos de Marx (foram considerados erros do «Jovem» Marx) foram recitadas de foram tão ritualística
como as palavras dos evangelhos são repetidas no ocidente.
Erick Fromm
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