domingo, 2 de setembro de 2012

O Amor



                                           O Amor


O amor tem igualmente dos significados, que teria de nos referirmos ao modo de ter ou ser.
Pode ter-se amor? Para que tal fosse possível, ele teria de ser uma coisa, uma substancia passível de ser possuída. A verdade é que não existe essa coisa chamada «amor». «Amor» é uma abstração, talvez uma deusa ou um ser de natureza diferente, embora nunca ninguém o tenha visto. Na verdade existe apenas o ato de amor. Amar é uma atividade criadora. Supõe preocupar-se com o outro, conhecimento, resposta, afirmação, gosto pela pessoa, a árvore, o quadro, ou a ideia que se ama. Implica trazer à vida, aumentar alegria, dele ou dela. É um processo de autorrenovação e autocrescimento.

Quando o amor é experimentado no modo ter, envolve a necessidade de impressionar ou controlar o objeto «amado». É estrangulante, maléfico, sufocante, fatal, não doador de vida. Aquilo a que tem como finalidade esconder a realidade da falta desse amor. Saber qual quantidade de pais que ama verdadeiramente os seus filhos é uma questão inteiramente em aberto. Lloyd de Mause trouxe-a do passado. Dois milénios de história ocidental relatam atos de crueldade para com as crianças, que vão desde a violência física, passando pela tortura psicológica, perla indiferença e chegam à possessividade total e sadismo. São de tal modo chocantes que nos levam a acreditar que os pais capazes de amor são a exceção e não a regra.
O mesmo pode dizer-se dos casamentos. Quer tenham a sua origem no amor ou, como tradicionalmente no passado, em conveniências sociais e costumes, o casal que se ama verdadeiramente parece constituir exceção. Tudo aquilo que não passa de vantagens sociais, proveitos económicos mútuos, interesse partilhado em relação aos filhos, dependência de parte a parte, odio reciproco ou medo é conscienciosamente vivido como se fosse «amor» - até ao momento em que um dos dois ou ambos, reconhecem que não se amam e que nunca se amaram. Hoje em dia, podemos constatar alguns progressos nesse domínio: as pessoas tornaram-se mais realistas e lucidas e muitas delas deixaram de considerar a atracão sexual sinonimo de parceiros que não coabitam também, para sermos totalmente honestos, uma mudança mais frequente de parceiros. Não conduziu a um aumento de amor e os novos parceiros fazem dele algo tão pequeno como faziam os antigos.

(…) Durante o período de namoro, nenhum dos dois está totalmente seguro acerca do outro, mas cada qual tenta vencê-lo. Ambos estão vivos, atraentes, até belos, atendendo que a alegria dá sempre beleza ao rosto. Ainda nenhum tem o outro para si; donde, a energia dos dois é canalizada para o ser, para dar estimular o outro. Com o ato do casamento a situação costuma mudar radicalmente. O contrato estabelecido dá a cada parceiro a posse exclusiva do corpo, sentimentos e atenção do outro. Ninguém tem de ganhar mais nada, já que o amor se tornou algo que se tem, uma propriedade. Os dois deixam de fazer esforços que os tornem dignos de serem amados e de atuarem para criar amor; e assim vão-se tornando maldispostos; e ao mesmo tempo a sua beleza desaparece, surgem a confusão e o desapontamento. Será que mudaram assim tanto? Terão cometido algum erro? Cada um procura geralmente no outro a causa do mudança e sente-se defraudado. O que nenhum dos dois consegue ver é que deixaram de ser as pessoas que eram quando estavam enamorados; que o terem acreditado erradamente que se pode ter o amor o fez deixar de existir. Agora em vez de se amarem um ao outro preocupam-se com a posse conjunta de várias coisas: dinheiro, posição social, uma casa, filhos. Assim, nalguns casos, o casamento que se iniciou com base no amor acaba por se transformar numa amigável relação de posse, numa corporação onde os dois egoísmos se polarizam numa entidade: a «família»

Quando um casal não é capaz de ultrapassar a ansia de renovação do anterior sentimento amoroso, poderá ocorrer que um dos parceiros tenha a ilusão de que uma outra pessoa (ou pessoas) satisfaça esse anseio. Sentem que apenas querem ter amor. Mas o amor para eles não é uma expressão daquilo que são, é uma deusa a que querem submeter-se. Forçosamente falham a tentativa, porque «o amor é uma criança em liberdade» (como diz uma antiga canção francesa) e o adorador da deusa do amor tornar-se-á, eventualmente, tão passivo como desinteressante e acabará por perder o que restava da sua atração inicial.

Esta exposição não pretende demostrar que o casamento não possa ser melhor solução para duas pessoas que se amam. A dificuldade não reside no casamento e sim na estrutura possessiva por parte dos dois parceiros e, em ultima analise, por parte da sociedade. Os defensores destas novas forma s de viver em conjunto dos nossos dias como o casamento coletivo, troca de parceiros, sexo em grupo, etc. tenta apenas, tanto quanto me parece, evitar o problemas da sua dificuldade em amar tentando remediara o tédio com novos estímulos e querendo ter mais «amantes» em vez de conseguir amar pelo menos um.

(Erich Fromm)

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