quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Exercício da autoridade



Exercício da autoridade

Com a formação de sociedades que assentam na ordem hierárquica, muito maiores e bem complexas do que aquelas dos caçadores recolectores,  a autoridade pela competência dá lugar à autoridade com base no estatuto social. Não prendendo com isto afirmar que essa autoridade seja necessariamente incompetente: afirmo sim que competência não é elemento essencial da autoridade.

Quer lidemos com uma autoridade monárquica – onde é lotaria dos genes quem decide sobre as qualidade da competência – ou com um criminoso, sem escrúpulos, que consegue obter autoridade através do assassínio ou da traição ou, como sucede tão frequentemente nas democracias modernas, com autoridades eleitas com base na sua imagem fotogénica ou nas fabulosas quantias despendidas na campanha eleitoral, em nenhum destes acasos existe qualquer relação entre autoridade e competência.


Mas verificam-se, igualmente, sérios problemas em casos em que a autoridade é estabelecida com base nalguma competência: um dirigente pode ter sido competente numa área, incompetente noutra. Por exemplo, um estadista pode ser competente na condução de uma guerra e incompetente em situação de paz; um dirigente que é honesto e corajoso no princípio da sua carreira e pode perder estas qualidades, seduzido pelo poder. Há ainda a considerar as questões de saúde e de idade, que podem levar a um acerta deterioração. Finalmente há que ter em conta que é muito mais fácil para os membros de uma pequena tribo julgar o comportamento de uma autoridade do que para milhões de indivíduos no nosso sistema, que apena conhecem o candidato através da imagem artificial, criada pelos especialistas em public relations.

 Sejam quais foram os motivos para a perda das qualidades inerentes à competência, o facto é que nas sociedades maiores e hierarquicamente organizadas, o processo de alienação dessa competência acaba por ocorrer. A verdadeira ou alegada competência é transferida para o uniforme ou para o título da autoridade. Se ela usar o uniforme adequado ou tiver o título certo, este sinal, exterior de competência substitui-se às verdadeiras e às suas qualidades. O rei – usa o título como símbolo para este tipo de autoridade – pode ser estupido, perverso, cruel, totalmente incompetente para ser uma autoridade, contudo ele tem autoridade. Enquanto possuir o título é suposto que tenha as qualidades de competência. Mesmo que o rei vá nu, todos acreditam que está a usar belíssimas roupas.

O facto de as pessoas tomarem os uniformes e títulos por qualidades reais da competência não acontece por acaso. Os detentores desses símbolos de autoridade, assim como os que deles beneficiam, fazem todos os possíveis para embrutecer o povo que lhes está sujeito, sobrepondo à possibilidade de um pensamento critico a ficção, em que são levados a acreditar. Para o compreender, basta determo-nos um pouco, observando as maquinações de propaganda, os métodos pelos quais o julgamento crítico é destruído, o modo como a mente é conduzida à submissão através de clichés, como as pessoas são silenciadas, tornando-se dependentes e perdendo a capacidade de acreditar no que os seus olhos vêm e no seu próprio julgamento. É a ficção na qual são levados a acreditar que os torna cegos à realidade

In Ter ou Ser. Erich Fromm

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