O May be man
Existe o “Yes man”.
Todos sabem quem é e o mal que causa. Mas existe o May be man. E poucos sabem quem é. Menos ainda sabem
o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa criatura que
todos, no final, reconhecerão como familiar.
O May be man vive do
“talvez”. Em português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”. Devia tomar
decisões. Não toma. Simplesmente toma indecisões. A decisão é um risco. E
obriga a agir. Um “talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido entre o nada
e o vazio.
A diferença entre o
Yes man e o May be man não está apenas no “yes”. É que o “may be” é, ao mesmo
tempo, um “may be not”. Enquanto o Yes man aposta na bajulação de um chefe, o
May be man não aposta em nada nem em ninguém. Enquanto o primeiro suja a
língua numa bota, o outro engraxa tudo que seja bota superior.
Sem chegar a ser chave
para nada, o May be man ocupa lugares chave no Estado. Foi-lhe dito para ser
do partido. Ele aceitou por conveniência Mas o May be man não é exactamente
do partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores
políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da
aparência. A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra amanhã.
E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua ideologia tem
um só nome: o negócio. Como não tem muito para negociar, como já se vendeu
terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E vende-se em parcelas. Cada parcela
chama-se “comissão”. Há quem lhe chame de “luvas”. Os mais pequenos
chamam-lhe de “gasosa”. Vivemos uma nação muito gaseificada.
Governar não é, como
muitos pensam, tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o
May be Man, uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém hoje,
dizer. Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção. Mas
apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima, patriótica
e enquadra-se no combate contra a pobreza.
Mas a corrupção, em
Moçambique, tem uma dificuldade: o corruptor não sabe exactamente a quem
subornar. Devia haver um manual, com organograma orientador. Ou como se diz
em workshopês: os guidelines. Para evitar que o suborno seja improdutivo.
Afinal, o May be man é mais cauteloso que o andar do camaleão: aguarda pela opinião do chefe, mais ainda pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde
vinda dos céus, não há luz nem verde para ninguém.
O May be man entendeu
mal a máxima cristã de “amar o próximo”. Porque ele ama o seguinte. Isto é,
ama o governo e o governante que vêm a seguir. Na senda de comércio de
oportunidades, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano. Depois,
vendeu-a ao português ao indiano. E está agora a vender ao chinês, que ele
imagina ser o “próximo”. É por isso que, para a lógica do “talvezeiro” é
trágico que surjam decisões. Porque elas matam o terreno do eterno adiamento
onde prospera o nosso indecidido personagem.
O May be man descobriu
uma área mais rentável que a especulação financeira: a área do não deixar
fazer. Ou numa parábola mais recente o não deixar. Há investimento à vista?
Ele complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do túnel? Ele escurece
o final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta que se perdeu a
papelada. Numa palavra, o May be man actua como polícia de trânsito corrupto:
em nome da lei, assalta o cidadão.
Eis a sua filosofia: a melhor maneira de
fazer política é estar fora da política. Melhor ainda: é ser político sem
política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a sua competência: ele sai dos
princípios, esquece o que disse ontem, rasga o juramento do passado. E a lei
e o plano servem, quando confirmam os seus interesses. E os do chefe. E, à cautela, os do chefe do chefe.
O May be man aprendeu
a prudência de não dizer nada, não pensar nada e, sobretudo, não contrariar
os poderosos. Agradar ao dirigente esse é o principal currículo. Afinal, o
May be man não tem ideia sobre nada: ele pensa com a cabeça do chefe, fala
por via do discurso do chefe. E assim o nosso amigo se acha apto para tudo.
Podem nomeá-lo para qualquer área: agricultura, pescas, exército, saúde. Ele
está à vontade em tudo, com esse conforto que apenas a ignorância absoluta
pode conferir.
Apresentei, sem
necessidade o May be man. Porque todos já sabíamos quem era. O nosso Estado
está cheio deles, do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade
humana. Na realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do May
be man não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a
fantasmas. Uma fortuna bem real paga mensalmente a fantasmas. Nenhum país,
mesmo rico, deitaria assim tanto dinheiro para o vazio.
O May be man é
utilíssimo no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a
sério não serve.
Mia Couto
(Sinto-me realizado como homem, como pai, em tudo aquilo que só de mim depende. Profissionalmente e em actividades directivas, no campo do desporto, da cultura, arte, etc., nunca foi alem do nada porque, sempre foi uma pessoa de valores tais como Dignidade, Integridade, Caracter entre outros, que não me permitem ser um lambe botas, um yes man.)
CA
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sábado, 27 de outubro de 2012
May be man
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